Artigo: Ganha quem lucra ou quem se importa?
Edmar Camata
É secretário de Estado de Controle e Transparência do ES e vice-presidente do Conselho Nacional de Controle Interno. Mestre em Políticas Anticorrupção pela Universidad de Salamanca.
O título reflexivo era, na verdade, um desafio às corporações globais - especialmente ao mercado financeiro. Uma tentativa de se agregar à gestão meramente financeira preocupações sociais, ambientais e de boa governança - dentre elas integridade e transparência com o consumidor.Algumas perguntas vêm chacoalhando o mundo corporativo nas últimas décadas. Uma delas: empresas são boas à medida em que geram muito lucro aos seus acionistas e proprietários, ou há algum fator a mais nessa equação? Há várias respostas possíveis, mas quem entender as razões de se valorizar verdadeiramente a responsabilidade socioambiental e a boa governança certamente terá mais horizontes - e lucros. No ano de 2004, uma publicação do Banco Mundial, em parceria com o Pacto Global, da Organização das Nações Unidas (ONU), trouxe em seu título um questionamento central dirigido aos 50 CEOs - diretores responsáveis pela estratégia e visão - das maiores instituições financeiras do mundo: “who cares win”, dizia a publicação, ou “Ganha quem se importa”.
A partir daquele momento, a busca, cada vez mais, passou a ser por investimentos e negócios responsáveis. Um detalhe importante: não estamos falando aqui de uma imposição feita por governos, leis ou ideologias. Dessa vez o próprio capital entendeu que empresas que agregam à sua gestão boas práticas ambientais, sociais e de governança são menos voláteis, reduzem risco reputacional e, sim, lucram mais - gerando, além de lucro, valor. No meio corporativo, essa visão é representada por três letrinhas: ESG, do inglês “environmental”, “social” e “governance”. Em tradução livre, meio ambiente, social e governança.
Sobram na história recente exemplos que mostram o quanto a cultura organizacional da ganância em detrimento dos valores ESG pode ser fatal para os resultados. Talvez o caso mais fácil de entender seja o retratado no documentário “Queda Livre: a tragédia do caso Boeing”, lançado pela Netflix, em que investigadores revelam como a Boeing pode ter sido responsável por dois acidentes catastróficos seguidos, ao priorizar o lucro em detrimento das pessoas e sua segurança. O custo estimado pela companhia, com o acidente e a suspensão de suas aeronaves por 20 meses, é de cerca de R$ 80 bilhões. Custo altíssimo de prioridades equivocadas.
Não é difícil relacionar esse tema com a recente guerra provocada pela Rússia contra a Ucrânia, ultrajando a independência daquele país. Uma guerra é o oposto do que se pretende com a cultura ESG. A guerra, por si só, é desumana. É uma tragédia ambiental, além de ser o antônimo de boa governança, pois dilacera o diálogo e a preocupação social. Nesse cenário, arriscaria dizer que o futuro da Rússia como nação é trágico, pois além de uma aldeia cercada de valores, o mundo cada dia mais é digital, e impõe bloqueios para além do que canhões, fuzis e minas alcançam. Nos últimos dias, as maiores companhias globais cortaram negócios com a Rússia, não porque são negócios ruins, mas porque não aguentariam o impacto reputacional de se relacionar com um país taxado globalmente de ter iniciado uma guerra desnecessária e de agir cruelmente.
Inegável que o mercado financeiro topou o desafio. Estima-se que cerca de U$ 31 trilhões sejam direcionados hoje a investimentos em empresas com visão e prática ESG e, no Brasil, esse perfil representa 38,26% do total do valor das companhias com ações negociadas na B3.
Mas uma atenção é importante: essa é uma pauta que não admite maquiagem ou simulação - também conhecido como greenwashing. Uma empresa que vende a imagem da sustentabilidade mas não entrega na prática corre riscos ainda maiores. Nesse caminho, empresas poluidoras ou que têm como carro-chefe produtos danosos à saúde têm um desafio pela frente.
ESG não é um tema só para empresas ou mercado financeiro. A cantora Anitta, por exemplo, se tornou uma referência em inclusão e diversidade em diversos momentos, mas especialmente ao admitir para seu elenco bailarinas com sobrepeso, Síndrome de Down e deficiências físicas, causando uma disrupção no mercado do show business, até então liderado somente pela beleza e atributos físicos.
E os governos, como ficam? É possível um governo ser ESG? No Espírito Santo, entendemos que não basta estar na pauta ESG, mas que governos têm um papel fundamental de fomentar as bases dessa cultura. No aspecto ambiental, a liderança do governador Renato Casagrande representando 22 governadores na Cop-26 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021) coloca o ES no topo da discussão mundial sobre bioeconomia, emissão de carbono e desmatamento. Na qualidade de vida, o resultado social é muito bem representado pela menor taxa de mortalidade infantil do país, e a segunda maior longevidade das pessoas, além do primeiro lugar na qualidade do ensino médio - público e privado. Em governança, somos o Estado mais transparente do Brasil, na análise da Controladoria Geral da União, Transparência Internacional Brasil e Open Knowledge Brasil, além de ser o Estado que mais aplica a Lei Anticorrupção.
Mas fazer o dever de casa não é o suficiente. O Estado se prepara agora para inovar no país, lançando sua plataforma ESG, fazendo a reclassificação de seus projetos à luz dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e estruturando um comitê público-privado, a fim de permitir o crescimento conjunto de empresas e governo nesse tema global que, de forma inédita, movimenta mercados para o bem social.